Alfabetização de crianças ainda é desafio para o Brasil

14 de novembro de 2023 - 09:30 # # # # #

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No Dia Nacional da Alfabetização, educador vê perspectivas de futuro

O Brasil ainda precisa avançar mais para que as crianças consigam apresentar desempenho satisfatório na leitura, é o que apontam especialistas ouvidos pela Agência Brasil para falar sobre o Dia Nacional da Alfabetização, comemorado nesta terça-feira, (14/11). Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), a partir das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) dos anos de 2019 e 2021, revelam que houve uma queda no desempenho da alfabetização, mostrando que, em 2019, 54,8% das crianças avaliadas foram consideradas alfabetizadas. Entretanto, em 2021, o percentual caiu para 49,4%.

A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1967, com o objetivo de promover a discussão sobre a importância da alfabetização, principalmente em países que ainda têm índices consideráveis de analfabetismo.

De acordo com o Saeb, são consideradas alfabetizadas as crianças que conseguem atingir a nota mínima de 743, o que as tornam aptas para ler palavras, frases e pequenos textos; localizar informações na superfície textual; escrever ortograficamente palavras com regularidades diretas entre fonemas e letras e escrever textos que circulam na vida cotidiana, ainda que com desvios ortográficos e de segmentação.

Para o gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, organização que trabalha pela melhoria na qualidade da educação básica no Brasil, Ivan Gontijo, o cenário é desafiador, “mas existem perspectivas de futuro”.

“Basicamente, metade dos alunos do Brasil que estão na faixa dos 7 anos não conseguem ler e escrever de uma forma, minimamente, adequada. Esses dados retratam uma realidade muito alarmante, mas não são novidades. Desde a Avaliação Nacional de Alfabetização, a ANA, que começou a ser implementada desde 2014, o Brasil já apresentava indicadores bem preocupantes, e esse resultado de 2021 mostrou que a pandemia teve um impacto relevante, e entre todas as etapas da educação básica foi na alfabetização. Os dados são inequívocos em dizer que, no Brasil, existe um grande desafio em relação a alfabetização das crianças”, disse Gontijo à Agência Brasil.

O Todos pela Educação defende a efetivação de políticas públicas educacionais que garantam aprendizagem e igualdade de oportunidades para as crianças e jovens. Gontijo alerta que a alfabetização é uma habilidade base e que se a criança não for alfabetizada, adequadamente, na idade certa, ela terá dificuldades ao longo da sua vida escolar.

“Acho muito importante a gente dar a devida centralidade para a questão da alfabetização no Brasil, porque a alfabetização é uma habilidade base. Se o aluno não se alfabetiza na idade certa, de forma adequada, ele vai ter dificuldade em todas as disciplinas, não só em língua portuguesa, ele vai ter dificuldade em matemática, ciências, história, etc. Então, é uma habilidade muito central para o aluno conseguir ter uma trajetória acadêmica muito adequada. Por isso que a gente precisa colocar tanta energia nesse processo”, defende.

Pandemia

A CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Mariana Luz, que atua no debate sobre a primeira infância, com crianças do nascimento até os 6 anos de idade, avalia que a pandemia do coronavírus, com o fechamento dos espaços educacionais, afetou o desempenho das crianças em creches e pré-escolas, esta última considerada uma etapa fundamental para auxiliar no processo de alfabetização, segundo Mariana.

“Esse quadro [da pandemia] gerou um déficit educacional e ampliou as desigualdades. Infelizmente, quem teve menos acesso, menos apoio, menos instrução, menos oportunidade de aprender foram as camadas vulnerabilizadas. Foram pretos, pardos, indígenas e os que vivem em uma situação de pobreza e isso gerou um distanciamento”, disse Mariana, que ponderou sobre a necessidade de se dar mais atenção a espaços como creches e pré-escolas.

Segundo Mariana, pesquisas feitas pela fundação apontaram um atraso pedagógico de seis a sete meses nas crianças nos componentes de linguagem e de matemática, mas destacou que a recomposição dessa perda foi possível com o retorno às atividades presenciais.

“É na educação infantil, sobretudo na pré-escola, que é etapa obrigatória, que a criança vai ter contato com letras e números de uma forma mais intencional, com o entendimento de que a etapa seguinte é o primeiro ano do fundamental, onde a alfabetização acontece. Então, essa familiaridade, esse gosto, esse conhecimento, esse despertar do interesse e da curiosidade, isso tudo acontece na educação infantil”, explica.

A coordenadora de Programa e Políticas da Campanha pelo Direito à Educação, Marcelle Frossard, também avalia que a pandemia do coronavírus contribuiu, em parte, para o resultado negativo, ressaltando que as crianças foram afetadas de diferentes formas, especialmente as moradoras de zonas rurais e as negras.

“As consequências da pandemia na educação brasileira não foram uniformes, mas afetaram, principalmente, estudantes de zonas rurais e negros. Essas estatísticas e porcentagens são, na verdade, pessoas, vidas e estudantes por trás desses números. A desigualdade educacional brasileira, que o PNE [Plano Nacional e Educação] pretendia superar, continua presente, manifesta na ausência de tantos alunos que não conseguiam assistir às aulas durante a pandemia”, disse Marcelle à Agência Brasil.

Marcelle destaca que, no cenário pós-pandemia, é preciso promover um diagnóstico sobre o impacto da pandemia na saúde mental de crianças e adolescentes. Ela considera fundamental a integração entre políticas de saúde mental e a área de educação.

“Até o momento, o país ainda não tem uma dimensão do que foi esse período e o impacto para as pessoas, a educação e outras áreas de importância. Temos que considerar que a maioria dos estudantes brasileiros estão na escola pública e com dificuldade de acesso a equipamentos e profissionais de saúde mental. Assim, sem essa integração, dificilmente haverá apoio a essas crianças”, alerta. “Em relação aos professores, também devem usufruir desse mesmo tipo de política e terem formação continuada para lidarem com o atual momento, lembrando que a responsabilidade em relação a saúde mental deve ser dos profissionais de saúde e não dos professores”, argumenta Marcelle.

Municípios

Pela Constituição, os municípios têm papel fundamental na oferta da educação infantil e respondem pela maioria das vagas nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano). Já os estados devem priorizar o ensino médio, mas podem atuar, em parceria com os municípios, na oferta de ensino fundamental.

Para a coordenadora de Programa e Políticas da Campanha Pelo Direito à Educação, que aglutina diferentes forças políticas, priorizar ações de mobilização, pressão política e comunicação social, em favor da defesa e promoção dos direitos educacionais, é fundamental para que estados e municípios atuem, conjuntamente, para buscar soluções.

Marcelle destaca que outro problema que deve ser enfrentado é a evasão escolar. Apesar de o país já ter leis e programas assegurando o direito ao transporte escolar, ele sofre com problemas orçamentários para execução e implementação dessas políticas.

“Para evitar a evasão, é importante a garantia de educação integral, transporte escolar e alimentação escolar, por exemplo. Os programas de busca ativa são importantes, mas é preciso, também, garantir a permanência desses estudantes na escola. Por isso, a rede de proteção deve funcionar para garantir o bem-estar e a redução de vulnerabilidades sociais e econômicas das famílias para que os estudantes tenham acesso ao direito à educação”, destacou.

“As famílias também precisam de condições para garantir que seus filhos continuem a estudar. Nesse sentido, para garantir o direito à educação, é fundamental o investimento em políticas sociais para que as famílias tenham condições de manter os filhos na escola”, concluiu.

Segundo ela, para o país avançar na alfabetização de crianças na idade certa, é preciso que o Estado e a sociedade atuem de forma a garantir o cumprimento das políticas planejadas, como o Plano Nacional de Educação.

“É [preciso] aumentar os investimentos em educação, que sofreram cortes importantes nos últimos anos. É importante compreender que as metas são interligadas e dependem umas das outras para o cumprimento integral. Ou seja, não é possível escolher uma ou outra meta entre as 20, é preciso seguir todas, progressivamente”, disse.

A presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Paraná e dirigente municipal de educação de Cascavel, Marcia Baldini, também ressaltou a importância do trabalho conjunto entre estados e municípios. Ela também citou o exemplo do Ceará como uma experiência exitosa.

“É necessário que haja realmente um regime de colaboração muito forte, e cito aqui, o exemplo do estado do Ceará. Friso que isso deve ser uma política de Estado e não uma política de governo que vai passar. É necessário subsídios financeiros e técnicos para orientar os municípios, mas no entanto há que se pensar na responsabilidade e no respeito à autonomia de cada município. O estado não pode simplesmente vir e impor. É necessário ouvir os municípios e todas as realidades diferentes que temos no país e dentro de cada estado”, defendeu.

O principal papel dos estados será atuar na coordenação da política de alfabetização nos seus territórios, fornecendo apoio técnico, por meio de avaliações, material didático, mas, também, de suporte para as equipes das secretarias conseguirem implementar boas ações de alfabetização.

“A gente precisa entender que a alfabetização está nas mãos dos municípios. A alfabetização aconteceu, principalmente, nos anos iniciais, onde 80% das matrículas estão nas redes municipais. E muitos municípios têm muitas dificuldades do ponto de vista técnico de implementação de políticas educacionais para terem boas políticas de alfabetização. Boa parte dos municípios brasileiros é de pequeno porte, então não têm capacidade de montar, muitas vezes, uma superformação continuada de professores ou ter um ótimo material didático sobre alfabetização para os estudantes”, observou Gontijo.

A Emenda Constitucional do Fundeb Permanente, aprovada em 2020, já trouxe elementos para que estados apoiem os municípios com recursos, em especial a que determina aos estados a criação da Lei ICMS Educacional – que determina que um percentual do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) seja redistribuído aos municípios em razão de melhora nos indicadores de alfabetização e proficiência em língua portuguesa e matemática dos estudantes do ensino fundamental.

Por mais que o cenário seja extremamente preocupante, há perspectivas futuras bem interessantes por conta da aprovação da Lei ICMS Educação, por conta do programa do governo federal Criança Alfabetizada. É muito desafiador conseguir atingir resultados expressivos e excelentes em educação, mas estão sendo construídos bons pilares para avançar de forma nacional, baseado nas experiências de sucesso para os próximos 10, 15 anos.

Ceará

O Ceará alcançou o melhor resultado do Brasil em alfabetização, de acordo com os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2019, divulgados, nesta quarta-feira (4), pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Na ocasião, foram apresentados os resultados do 2º ano do ensino fundamental em língua portuguesa e matemática.

Segundo o levantamento, os estudantes cearenses apresentaram as melhores habilidades em língua portuguesa e matemática quando comparados aos alunos das demais unidades da federação. Em língua portuguesa, a proficiência média foi 765,50. Já em matemática foi 769,32.

Para o governador Camilo Santana, o resultado do Saeb consolida os resultados educacionais do Ceará. “A cada ano temos melhorado os resultados em educação, sendo o Ceará um estado referência para o Brasil e para instituições internacionais que avaliam as políticas públicas na área. Isso significa que as nossas crianças e jovens terão um futuro melhor. Tenho absoluta convicção de que investir em educação é o melhor caminho para termos um estado mais justo e desenvolvido”.

Em setembro, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2019 também revelaram que o Ceará apresenta a melhor evolução nos anos iniciais do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano). A rede pública alcançou a nota 6,3 no ano passado, superando em 1,5 ponto a meta estabelecida pelo MEC.

Spaece

Em 2019, o Ceará obteve o melhor desempenho histórico na alfabetização, segundo o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (Spaece). Pela primeira vez, todos os 184 municípios cearenses atingiram o nível desejável de alfabetização das crianças ao final do 2º ano do Ensino Fundamental. Em 2007, apenas 14 municípios estavam neste padrão.

Os números mostram que 92,7% das crianças encontram-se alfabetizadas ao término da alfabetização. Em 2007, esse percentual era de apenas 39,9%.

É possível identificar também uma redução gradativa nos padrões não alfabetizados. Em 2007, esse percentual era de 47,4% e, em 2019, caiu para 2,6%. A mudança revela uma consolidação do processo de alfabetização das crianças no Ceará.

Mais Paic

Desde 2015, o Governo do Ceará desenvolve o Mais Paic – Programa Aprendizagem na Idade Certa. Essa medida tem como finalidade ampliar o trabalho de cooperação já existente com os 184 municípios, que além da Educação Infantil e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, passou a atender também do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental nas escolas públicas cearenses. As estratégias para alcançar a melhoria nestes níveis de ensino incluem o acompanhamento das escolas, a formação de professores e a utilização de material didático.

Fontes: Agência Brasil / Seduc/CE