Em escola rural goiana, alunos se tornam heróis de leitura

18 de julho de 2016 - 18:59

Inconformado com as notas dos alunos em leitura e produção de texto, o professor transformou-se em um desses heróis comuns, que não usam capas e nem disfarces, mas têm como superpoder a obstinação de que podem fazer algo para melhorar a qualidade da educação. Com esforço e otimismo, Cléssio Pereira Bastos, 31 anos, professor de português e língua inglesa, imprimiu criatividade em projeto pedagógico, que chamou de Alimente Heróis com Livros, e tem conseguido estimular os alunos do sétimo ao nono ano da Escola Municipal José Carlos Pimenta, na periferia de Goiânia, a ler livros e a escrever melhor, bem como a exercer a cidadania enquanto críticos de situações de injustiça social.

Interdisciplinar, o projeto, que resultou no sucesso da escola da comunidade rural de Vila Rica, a 25 quilômetros de Goiânia, foi iniciado em 2015. No início do ano letivo, 3,5 era a nota média em leitura e escrita das turmas dos anos finais do ensino fundamental. No fim do ano, a menor nota foi 8,5. “Eles vivem numa comunidade carente, não recebem muitos incentivos nos estudos, e era urgente uma ação no sentido de inspirá-los com exemplos de superação a partir do conhecimento”, diz o professor, que tem mestrado em crítica literária. “Eles estão inseridos em uma cultura de não leitores e só veem livros na escola; por isso, o trabalho tem de ser muito bem focado para que aprendam a gostar de ler.”

O livro escolhido para iniciar o projeto foi Eu sou Malala, biografia da jovem paquistanesa Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz de 2014, baleada pelo Talibã (movimento nacionalista que atua no Afeganistão e no Paquistão) por defender seu direito à educação. A obra foi escrita em parceria com a jornalista inglesa Christina Lamb.

Como a escola funciona em tempo integral, a leitura dividiu-se em dois turnos, cada um com uma hora de duração. Os alunos sensibilizaram-se com a história e despertaram para a leitura. “O livro da Malala foi escolhido porque os alunos não gostavam muito de estudar por se acharem obrigados a ir à escola”, afirma o professor. “Então, fui atrás do exemplo de uma menina, da idade deles, que quase morreu por querer estudar.”

Doações — Como não havia um exemplar para cada aluno, uma versão impressa do livro ficava à disposição dos estudantes, enquanto o trecho lido era projetado na parede da sala de aula. Alunos e professores de outras disciplinas revezavam-se na leitura e acabaram por trabalhar informações sobre a geografia, a história e a cultura do Paquistão, país islâmico do sul da Ásia. Ao final da leitura do livro, os alunos decidiram colaborar com doações para a Fundação Malala, que investe para garantir o mínimo de 12 anos de educação para jovens de países periféricos. “Na vila onde moram, cercada por mato e onde existem apenas quatro ruas, meus alunos conseguiram arrecadar o equivalente a US$ 100, que foram depositados no Fundo Malala”, conta o professor.

Diante do sucesso do projeto no ano passado — foi um dos finalistas do Prêmio Viva Leitura de 2016 —, o professor Cléssio decidiu aprimorá-lo este ano para que tenha a participação de toda a escola, da comunidade e das famílias. Para 2016, além da biografia de Malala, os alunos terão dois títulos para ler: o Diário de Anne Frank, obra sobre Annelies Marie Frank, adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto, e a biografia de Ben Carson, neurocirurgião, psicólogo e escritor norte-americano. “Fizemos uma rifa para a aquisição desses títulos”, explica o professor.

Daniele Rodrigues de Morais, 13 anos, aluna do sétimo ano, ajudou a vender as rifas para arrecadar o dinheiro. Com o professor e 60 colegas, ela foi a Goiânia e, pela primeira vez, entrou numa livraria. No total, conseguiram comprar 200 livros. “Já sei a história da Malala, mas agora quero ler a história da Anne Frank”, diz a estudante.

Marcelo Rosa da Silva Jesus, 14 anos, até se esqueceu da timidez para falar dos livros que começou a ler. “Eu não dava muita importância para a leitura, mas depois que comecei a participar do projeto estou lendo mais porque melhora o texto e tenho mais ideias para escrever”, afirma.

Comunidade — Após a leitura dos títulos, os alunos terão de produzir uma ação na comunidade com base nas histórias. “Meus alunos são heróis com livros”, diz o professor Cléssio, que mantém uma página na internet, a Looking 4 Heroes, para dividir as experiências em sala de aula e atrair parcerias para projetos de promoção da leitura e cidadania. O professor espera que, no fim deste ano, os livros lidos pelos alunos sigam para outras escolas e estimulem a formação de novos leitores.

Otimista com os resultados — os alunos vêm apresentando melhoras no rendimento escolar após o projeto —, Cléssio planeja ampliar a ação na escola e em outras unidades de ensino da região, com intercâmbio de leitura presencial ou por videoconferências. “Sem leitura não há aprendizado. Não adianta ensino de gramática sem vivência com a língua em sua forma escrita e não adiantam trabalhos voltados para o social sem a humanização que a leitura promove”, afirma. “E também não adianta entregar livros nas mãos dos alunos sem que haja um trabalho de motivação para uma leitura de qualidade. Eu digo sempre que todo projeto é simplesmente uma desculpa para levar meu aluno a ler.”

 

Fonte: Portal do MEC