15 de março, o dia comemorativo da escola: um momento para reflexão sobre a escola pública

15 de março de 2021 - 09:48 #

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Por Prof. Samuel Brasileiro Filho[i]

Dia 15 de março foi instituído como o Dia Nacional da Escola, mas o que há em comemorar a escola que temos? Que escola merece ser comemorada? Meus questionamentos iniciais poderiam levar o leitor deste breve texto a pensar que pouco temos a comemorar, mas longe disto, intenciono, nestas breves palavras, motivar nosso eventual leitor sobre a importância de nós lutarmos por uma escola de qualidade, como condição essencial para a superação das nossas dificuldades estruturais que, historicamente, emperram nosso desenvolvimento.

A invenção da escola é uma inovação social muito antiga. Mais antiga ainda é a educação, que está na base da formação humana. Não sabemos, com precisão, quando a escola foi inventada. Alguns historiadores da educação apontam a existência de algo parecido com uma escola a mais de 3000 anos a.c., mas a escola como conhecemos é bem mais recente, provavelmente entre os séculos XIV e XV. Porém, vem se transformando com mais rapidez deste o início do Século XX. A escola, enquanto invenção social, tem incorporado diversas inovações que a tornaram uma das organizações mais complexas da sociedade contemporânea, que continua a evoluir em função de complexos condicionantes históricos e sociais, circunscritos aos projetos societários hegemônicos de cada época, que exigem novas formas de aprender novos conhecimentos, novos padrões culturais, enfim renovadas demandas da formação humana.

A noção de escola forjada no sensu comum como um local de aprendizagem coletiva, com alunos e professores organizados em tempo e espaços de aprendizagem das salas de aulas, com suas séries e conteúdos estruturados em disciplinas, é uma concepção escolar que se originou na transição da idade média para a idade moderna, estando suas origens na transição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista.

A escola moderna, com suas novas funções sociais de promoção das aprendizagens demandas pela sociedade capitalista, transforma-se, gradativamente, num dos principais dispositivos de formação da sociedade e do cidadão produtivo, por esta demandados. Neste período histórico, o Estado, outra invenção social de grande relevância, é impelindo a assumir a responsabilidade de sua gestão e expansão, forjando a noção de escola pública, porém mantendo a possibilidade da coexistência com a escola privada, que já existia, em um sistema estruturalmente dicotômico, no qual a escola pública é destinada às classes trabalhadoras e a escola privada se mantém orientada para atender as classes dominantes.

O conceito de escola e sua separação entre escolas públicas e privadas são noções naturalizadas na sociedade contemporânea, assim como a importância destas para o seu desenvolvimento se tornou um grande consenso que, a despeito disto, ainda se apresenta como um espaço de grandes disputas sobre como promover a melhoria da qualidade da escola pública e reduzir dicotomia estrutural do sistema educacional.

As nações que conseguiram resolver ou mitigar este conflito, estabelecendo as condições necessárias para a universalização de uma escola pública de qualidade, tanto no que diz respeito aos padrões de seu financiamento quanto aos seus projetos pedagógicos capazes de promover padrões elevados de aprendizagem, foram as que melhor se desenvolveram e constituíram sociedades com menores distanciamentos sociais ao longo do Século XX.

Outro importante aspecto a ser considerado neste contexto em que estamos inserindo a escola, é que a melhoria de sua qualidade é fortemente dependente da efetividade e continuidade das políticas públicas educacionais adotas em cada país. Neste quesito, não estamos bem. Nossas políticas públicas têm sido marcadas por forte descontinuidade e resistência das elites econômicas em garantir o financiamento público da educação. Outro ponto de grande relevância, que não pode deixar de ser considerado, é o papel proativo das comunidades locais em assumir a sua parte de responsabilidade na transformação social da escola, superando a atitude conformista de meros espectadores críticos de um Estado sempre ineficiente e, muitas vezes, ausente. A luta pela escola pública de qualidade deve estar no centro de todas as lutas sociais.

Nos tempos atuais, tem crescido o interesse pelas concepções de educação integral e por uma escola ampliada, que seja capaz de expandir suas fronteiras de promoção da aprendizagem para a própria comunidade de seu entorno, tornando-se parte estrutural da comunidade local. Tudo isso tem gerado novas exigências para uma nova concepção de escola que, impulsionadas pelo intensivo processo de inovações científicas e tecnológicas e pelas novas configurações societárias, de um mundo cada vez mais globalizado, têm pressionado por transformações e inovações da escola que conhecemos.

Nesta ambiência de disruptivas inovações e grandes desafios gerados pelas tecnologias de informação e comunicação e dos novos paradigmas orientados pelos novos padrões produtivos sustentáveis e de preservação do nosso planeta, têm se apresentado como os fatores de maior impacto nas formas como o tempo e espaço escolar se estruturam e que têm alterado, de forma muito intensa, tanto o que precisamos aprender como também as formas como aprendemos.

As inovações pedagógicas e tecnológicas, que emergem deste contexto de uma sociedade cada vez mais interconectada, ampliam ainda mais os desafios necessários para a elevação da qualidade das escolas públicas, cujas fragilidades ficaram ainda mais evidentes no contexto da pandemia do Covid 19, que obrigou bilhões de alunos a ficarem sem poder frequentar as escolas e terem que acessar suas atividades de aprendizagem mediante precárias condições de acesso a essas tecnologia e de discutível qualidade de um ensino remoto. A pandemia destacou o quanto ainda precisamos investir e ampliar o acesso às tecnologias de informação e comunicação nas escolas públicas, bem como a expansão das políticas públicas de inclusão digital das populações de baixa renda.

A dualidade estrutural que separa a escola pública da privada no Brasil e no mundo é uma das patologias estruturais do sistema capitalista. Porém, que é bem mais agravada em nosso País em função das condições históricas que limitaram o desenvolvimento de nosso sistema educacional público e nossas políticas públicas neste campo, onde a injustiça de acesso à escola pública de qualidade está na base que sustenta a grande desigualdade social brasileira. Assim, lutar efetivamente pela escola pública de qualidade, rompendo com o nosso imobilismo e o conformismo em relação à ineficiência e descontinuidade das políticas públicas de educação, deve assumir um caráter de centralidade de nossa luta por melhores condições de vida numa sociedade mais justa e com maiores oportunidades para nossas crianças e jovens. Deixemos de ser meros espectadores críticos de nossas escolas, pois essa é umas das chaves para um futuro melhor.

[1] Samuel Brasileiro Filho, Doutor em Educação Brasileira, Conselheiro do Conselho Estadual de Educação, Professor Titular aposentado do IFCE, Professor do Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica do IFCE. Ex-Diretor Geral da ETFCE e Ex-Diretor Presidente do Instituto Centec. (samuel@ifce.edu.br).